A Gastronomia é uma área do conhecimento humano atualmente bastante valorizada.
Antes, envolvia especialmente a evolução de técnicas culinárias com o objetivo de elaborar pratos cada vez mais criativos, que satisfaziam olhares e apetites à mesa de restaurantes sofisticados.
Hoje, esse conceito persiste lá no âmago dos amantes da arte de cozinhar, como sua motivação básica, porém, está mais democrático. A criatividade permanece, mas hoje em dia atende a diversos segmentos da população, adaptando-se a cada um.
Basta observar a variedade de livros e programas de televisão que se dedicam a tantos tipos de gastronomia quantas são as características atuais de alimentação.
Paralelamente, a agricultura e a pecuária, matérias-primas da gastronomia, foram se especializando, a ponto de criarem muitas e poderosas indústrias alimentícias.
Nesse caminho, nós, população desse planeta, fomos perdendo contato com a horta e o curral.
A agroindústria utiliza adubos e defensivos químicos para ampliar sua colheita de vegetais e a pecuária confina o gado -- seja bovino, suíno, ovino ou avícola -- e acrescenta à ração deles substâncias nocivas aos humanos, para aumentar o volume da produção.
Nem sempre isso acontece, mas o fato é que não podemos, mais, controlar a qualidade dos produtos que usamos para preparar refeições.
Não podemos ir ao canteiro colher o vegetal que desejamos, nem pegar ovos das galinhas que criamos. Hoje vamos ao supermercado. Mas escolher o que levar para a cozinha não é fácil. Nem para os chefes de renomados restaurantes, ao selecionar seus fornecedores, nem para os amantes da culinária caseira.
O que fazer, então?
Desenvolver uma Gastronomia Consciente é a melhor opção e abrange um importante exercício de cidadania e sustentabilidade. Veja alguns exemplos:
Postura: para evitar os produtos vindos do sistema intensivo, prefira os orgânicos, que vêm de animais criados soltos, sem aditivos na ração e sem agrotóxicos no pasto.
Planejamento: evite o consumismo desenfreado. Na hora da compra, é comum sentir atração pelas embalagens mais vistosas e, especialmente, por aquelas que estão sendo massivamente veiculadas pela propaganda de seus fabricantes. Uma lista de produtos de que necessita é fundamental. E vale, também, seguir a sabedoria popular: “não compre comida quando estiver com fome”.
Hortaliças e frutas: se não puder ir ao Ceasa ou à feira regularmente, busque comprar os vegetais que provêm do cinturão verde da cidade. Além de adquirir os mais saudáveis, você estará revalorizando a agricultura familiar e contribuindo com a fonte de renda dos chamados “pequenos produtores”.
Cinturão verde é uma área de produção agrícola que abastece o mercado consumidor das cidades próximas. Sua localização favorece o transporte desses gêneros alimentícios, deixando-os mais frescos, mais baratos e com menor pegada ecológica (menos transporte significa menos poluição do ar).
Além disso, alguns desses cinturões verdes são áreas de preservação ambiental, o que os torna muito importantes para a manutenção do ecossistema da região.
Alimentos empacotados ou enlatados: no supermercado, para fazer compras conscientes, torne a leitura das embalagens um hábito. Leia todas as informações, inclusive as que vêm com letras pequenas e dispostas na parte de trás da embalagem Procure pelo nome do fornecedor e busque informações a respeito.
Atualmente, a maioria das indústrias oferece aos clientes, o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), disponibilizando, ali, o telefone e o e-mail para facilitar o contato em caso de dúvidas, críticas ou sugestões. Assim você pode acumular dados suficientes para escolher o mais confiável.
Também verifique o endereço e avalie: “A região em que está situada a fábrica ou a indústria fica perto ou longe deste meu local de compra?”. Quanto mais distante de você, maior terá sido o tempo de transporte do produto, seu acondicionamento e, muitas vezes, o preço.
Alimentos já processados: nos rótulos você encontra uma lista dos ingredientes utilizados. O primeiro item da lista é o que estará presente em maior quantidade na comida. Portanto, se açúcar ou gordura estiverem no topo da lista, talvez seja melhor procurar uma opção mais saudável.
Sobretudo, evite os ultraprocessados: contêm substâncias químicas nocivas, como conservantes, estabilizantes, flavorizantes e corantes.
Alimentos que precisam de condições especiais para sua conservação: verifique se no rótulo está indicado o melhor local de armazenamento desse tipo de produto (freezer, congelador, geladeira) e a data de vencimento correspondente. O mesmo se aplica a alimentos que podem se alterar depois de abertas suas embalagens. E vale lembrar: todo produto vencido deve ser desprezado; além de perder a garantia de qualidade dada pelo fabricante, pode trazer riscos à saúde.
PARA CONSCIENTIZAR MAIS UM POUCO
Há um filme que considero estimulante para uma reflexão maior sobre a necessidade de se pensar a Gastronomia Consciente.
É antigo, foi produzido nos Estados Unidos na década de 1970, mas o filme não envelheceu. Pelo contrário, e, infelizmente, parece que nunca estivemos tão perto de chegar àquela situação como agora.
O filme se passa em 2022, meio século à frente de quando foi produzido, em uma Nova York imaginária, na qual seus habitantes vivem em condições de extrema opressão, desespero e privação.
São 40 milhões de habitantes famintos vivendo sob um calor quase insuportável, gerado pelo efeito estufa. No entanto, os ricos vivem aclimatados e bem alimentados em condomínios de luxo, onde belas mulheres são parte da mobília e o elevado padrão de vida é mantido graças a um esquema secreto de corrupção.
A abertura do filme (mostrada antes do título) é imperdível: uma sequência rápida de imagens mostra a degradação de vida no planeta desde o século 20.
No imaginário século 21 do filme, as inúmeras pessoas pobres e desempregadas são alimentadas pelo governo com a distribuição de tabletes energéticos de cor verde, os Soylent Green, produzidos à base de plânctons dos oceanos do mundo.
Nesse ambiente, desenvolve-se uma trama policial detonada pelo assassinato de um rico empresário das indústrias Soylent Corporation. Um detetive policial, Robert Thorn, suspeita do guarda-costas do empresário, enquanto seu parceiro, Sol Roth, começa a investigar os registros e papéis do falecido, intrigado pela evidente falta de reação da vítima ao assassino.
A sequência da eutanásia (proporcionada pelo governo) à qual Sol Roth se submete também é imperdível: imagens belíssimas do mundo que a humanidade perdeu, acompanhada de uma trilha sonora admirável.
É nesse momento que Roth pede ao amigo Thorn que busque provar o “segredo”.
No final, a investigação de Thorn chega uma verdade estarrecedora daquele universo distópico, que envolve o tal tablete verde.
Recomendo assistir, mas convém preparar-se para cenas fortes, especialmente as que encerram o filme.
Não me lembro de detalhes de sua distribuição nos cinemas brasileiros, mas sei que o filme foi transmitido pela televisão: na Globo, em 1983, e na Bandeirantes, em 1994. Atualmente, pode ser encontrado em DVD e, lógico, na internet.
Ficha Técnica
Título: Soylent Green [no Brasil: No Mundo de 2020]
Lançamento: 1973 (EUA)
Direção: Richard Fleischer
Roteiro: Stanley R. Greenberg
Fotografia: Richard H. Kline
Música: Fred Myrow
Produção: Walter Seltzer, Russel Thacher
Consultor técnico: Frank R. Bowerman
(na época, presidente da Academia Americana de Proteção ao Meio-Ambiente)
Elenco principal:
Charlton Heston (Detetive Robert Thorn)
Edward G. Robinson (Sol Roth)
Leigh Taylor-Young (Shirl)
Marília Muraro
Colunista Gastromania
marilia.escrita@gmail.com