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A HISTÓRIA DO PÃO FRANCÊS


Publicado em 01/11/2012


A gastronomia é um enorme e fascinante universo. Seu exercício vai desde o conhecimento e uso de ingredientes, equipamentos e preparações diversificadas até à gestão de restaurante, confeitaria e panificação, passando, de modo transversal, por moda, costumes e, também, pela História.

Pois foi na vertente da História que me chamou a atenção a receita do nosso pão francês. Ignoro se há livros a respeito, mas pesquisando na internet encontrei uma unanimidade:

A receita desse pão, branquinho e fofo, que cabe na palma da mão, surgiu no Brasil no começo do século XX e antes de 1914, data de início da Primeira Guerra Mundial.

Uma outra unanimidade:

O nosso pão francês não tem muito a ver com os pães da França. Sua receita foi criada na tentativa de reproduzir um pão popular na cidade de Paris da época, curto, cilíndrico, com miolo branco e casca dourada, mas acabou por tornar-se bem diferente dele por conter um pouco de açúcar e gordura na massa.

Resta saber:

Em que circunstâncias esta receita foi criada?

Como e porque os padeiros brasileiros foram solicitados a imitar o pão da França na década de 1910?



COMO ERA O BRASIL NA ÉPOCA


Na década de 1900, início do século XX, o Brasil vivia a época da Primeira República, iniciada na Proclamação, em 1889. A população se adaptava a intensas transformações políticas e econômicas, marcadas por diversas revoltas internas e, sobretudo, por um processo de abertura para o comércio externo.

Grandes extensões de terra com apenas algumas áreas produtivas, os latifúndios, estavam nas mãos dos chamados coronéis, nome de uma patente da Guarda Nacional que passou a ser usado para designar os fazendeiros mais ricos e poderosos de uma região.

A população era composta, de um modo geral, por uma elite de forte poder econômico, constituída por coronéis e comerciantes, por uma classe média urbana, formada por profissionais liberais, intelectuais e políticos, e pelos trabalhadores rurais.

Até então, o brasileiro consumia, em grandes quantidades, a farinha de mandioca e o biju, apesar de já conhecer o pão de trigo desde a chegada dos colonizadores portugueses. No início do século XX, a atividade de panificação se expandiu, motivada pela vinda dos italianos para o Brasil, e o pão tornou-se essencial na mesa do brasileiro. Mas era completamente diferente do atual pão francês; era escuro, na casca e no miolo.

Com a abertura econômica e financeira para o comércio externo, o Brasil da Primeira República tornava-se um mercado altamente consumidor dos produtos de países estrangeiros que precisavam desovar seu excesso de produção industrial.

Juntamente com os produtos estrangeiros, o Brasil passou a importar, também, ideias e costumes, em especial tudo o que estava em voga no movimento cultural da Belle Époque.


A CULTURA DA BELLE ÉPOQUE



Na Europa do início da década de 1910, ainda se vivia o clima de desenvolvimento industrial, prosperidade econômica e otimismo da Belle Époque, iniciado no final do século anterior. Perdurou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, quando as notáveis invenções desse período passaram a ser utilizadas como tecnologia de armamento.

A Belle Époque foi uma época marcada por grandes inovações tecnológicas, como o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel e o avião, que inspiraram novas percepções da realidade e profundas transformações culturais. Tornaram a vida das pessoas mais fácil em todos os níveis sociais e geraram novos modos de viver o cotidiano.

O cenário cultural efervesceu, com a proliferação de teatros, cinemas e exposições.

A moda, para as mulheres, cobria todas as partes do corpo com babados, plissados, bordados, luvas e chapéus. Os espartilhos, que antes definiam a silhueta em “ideais 40 cm”, nessa época foram substituídos por suaves drapeados. Para o homem, a moda exigia um estilo mais sóbrio. Mantinha o uso de chapéu, polainas e casaca, mas o uso de paletó começou a aparecer com força crescente, e as calças ficaram cada vez mais estreitas e curtas. Barbear o rosto tornou-se uma tendência, assim como o uso do chapéu de feltro de copa gebada e do chapéu-panamá.

Cafés e confeitarias foram eleitos ponto de encontro de intelectuais e artistas, favorecendo a difusão de novos modos de pensar. O desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte disseminou a arte e a cultura da Belle Époque, aproximando as principais cidades do planeta. Escritores, como Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Zola, Anatole France e Balzac, passaram a ser lidos avidamente. Pintores, como Picasso, Modigliani e Matisse revolucionaram as artes no mundo.

As pessoas de maior poder econômico ostentavam elegância e luxo em grandes bailes, festas, jantares. E a gastronomia passou a fazer parte de suas diversões noturnas.

Nos restaurantes, jantava-se entre paredes de mogno e cobre, recortadas por vitrais e sob tetos cheios de dourados, afrescos e lustres, uma decoração para deleite do olhar.

O estilo culinário passou a ser definido com o rótulo "Comer com os olhos". Os grandes chefs, cujos ancestrais haviam cozinhado para os palácios da nobreza, criaram o sistema de servir à la carte. Então, passaram a oferecer opções de pratos predefinidos pela casa e em cardápios ricamente ilustrados, que demonstravam a expertise do chef e o glamour do restaurante.

Paris transformou-se na grande estrela da Belle Époque e a capital da culinária.

Um pãozinho que lá se fabricava, curto, cilíndrico, com miolo branco e casca dourada, crocante, tornou-se um mito!



COMO SURGIU A RECEITA DO PÃO FRANCÊS DO BRASIL


Para a elite brasileira da década de 1910, ir a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação, pois garantia seu vínculo com a atualidade do mundo.

A República do Brasil, recém-instalada, pretendia inaugurar uma nova era no país e, por conta disso, tentou minimizar tudo o que lembrava o antigo Império e o passado de colonização portuguesa, favorecendo a difusão de usos e costumes de Paris, como as vestimentas à moda francesa e a prática de se consumir bebida em mesas dispostas pela calçada.

No Rio de Janeiro, então capital brasileira, cresceu o número de cafés e confeitarias que reproduziam o costume francês de servir com estilo e elegância. E as padarias, que ainda produziam um pão de casca e miolo escuros, começaram a ser solicitadas a reproduzir o pãozinho de casca dourada e miolo branco dos franceses.

Então, os padeiros, pela descrição dos viajantes, criaram uma receita que passaram a chamar de “pão francês”.
Na verdade, a receita que os padeiros criaram atendeu, sim, às exigências de casca dourada e miolo branco, mas superou as características do pãozinho original, por ser mais macio e saboroso, com o acréscimo de um pouco de açúcar e gordura na massa.

Hoje em dia, dizem que o nosso pão francês é um dos melhores do mundo e que alguns estrangeiros nos procuram para copiar a receita do nosso pão “tipo francês”, que eles chamam de “pão brasileiro”.

Com o tempo, o novo pão francês foi ganhando apelidos diferentes em algumas cidades do Brasil, como pãozinho (São Paulo), pão massa grossa (Maranhão), cacetinho (Rio Grande do Sul e Bahia), pão careca (Pará), média (Baixada Santista), filão, pão jacó (Sergipe), pão aguado (Paraíba), pão de sal ou pão carioquinha (Ceará).

O fato é que quentinho, saído do forno, o nosso pão francês tem uma aroma incomparável e é perfeito para receber uma camada de manteiga ou de queijo e o que mais a criatividade do brasileiro desejar. Isso sem contar as inúmeras preparações que se pode fazer com esse tipo de pão; de saborosas tortas salgadas na culinária do dia a dia às doces rabanadas que marcam presença em nossas mesas na época de Natal.






HORA DE EXPERIMENTAR


Rabanada de Forno

Para quem prefere manter uma dieta sem muita gordura, esta rabanada de forno é uma ótima opção para sua ceia de Natal.
Ingredientes




5 unidades de pão francês amanhecidos
2 copos de leite
1 copo de açúcar
2 unidades de ovo
1 colher (chá) de essência de baunilha

Preparo

Unte uma forma redonda de 25 cm de diâmetro.

Corte os pães em rodelas e arrume na forma, forrando o fundo.
No liquidificador, bata o leite, os ovos, o açúcar e a essência.

Coloque essa mistura em cima dos pães, apertando bem com o auxílio de uma colher, até que estejam bem molhados.

Faça uma mistura de açúcar, cravo e canela e salpique por cima.

Leve ao forno até assar.

Sirva gelada, junto aos outros pratos doces de sua ceia de Natal.



Rosangela Cappai
Colunista de Gastronomia
Com redação de Marília Muraro


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