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MURILO DIAS CESAR


Murilo Dias César é autor de teatro, contemplado com os prêmios : “Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos“ e “Prêmio Nacional de Dramaturgia Nelson Rodrigues“ , com os textos: “São Bernado“ e “A Paixão de Oscar Wilde“ respectivamente. Ele que acaba de lançar dois livros, nos concede uma forte entrevista, que é uma verdadeira aula sobre os rumos da dramaturgia na atualidade.

1) Na antiguidade o dramaturgo era considerado, além de tudo, um historiador do seu tempo e um poeta. Para você, qual o papel do dramaturgo na nossa atualidade.

Nada tenho contra as comédias que visam somente o sucesso e divertir o público. Mas – e este talvez seja um ponto de vista muito pessoal - provavelmente pela minha formação, digamos, ideológica, não me é possível escrever uma peça que não tenha conteúdo crítico, que faça com que o espectador reflita sobre si mesmo, sobre o que ocorre em seu país e no mundo. Lá na minha remota adolescência, assisti a um filme, cujo título não me recordo, em que, às tantas, um dos personagens citava o célebre pensamento do poeta John Donne, de que nunca mais me esqueci: “Nenhum homem é uma ilha. Cada homem é parte de um continente, uma partícula da Terra. A morte de um homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”. Apenas faria uma pequena modificação no pensamento do grande poeta: a morte de um homem não me diminui, porque a morte faz parte da vida. O que me diminui é a injustiça cometida contra qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo. De algum modo, é esse pensamento que norteia as minhas peças e tudo o que escrevo.


2) Como foi o inicio da sua carreira?

Iniciei minha carreira aos dezessete anos como ator amador, de um teatro anexo à Igreja Matriz do Bairro de Santana. Deixo claro: de modo algum desdenho o teatro amador, onde muitos atores e diretores de teatro de minha geração iniciaram suas carreiras.
Lembro-me de que demos ao nosso grupo o pomposo título de ART – ACADEMIA DE REPRESENTAÇÃO TEATRAL e a ART montou diversas peças: ”De Tamanho de um Defunto”, de Millôr Fernandes; “Anastácio”, de Joracy Camargo; “O Homem da Flor na Boca”, de Pirandello; “Natal na Praça”, de Henry Geon, além de outras cujos títulos não me ocorrem. Tínhamos um excelente diretor: Sebastião de Souza, quem, infelizmente, nunca mais vi. Sebastião me ensinou, ou melhor, nos ensinou muito sobre iluminação, interpretação, direção... Um grande diretor-professor!... Certa ocasião, Sebastião estava à procura de um texto que, segundo disse, atendesse às necessidades do grupo, ou seja, tivesse papel para todos nós. Aí me atrevi a escrever meu primeiro texto e, timidamente, apresentei-o a Sebastião. Duas ou três semanas depois, ele me deu seu veredicto: “Gostei do seu texto. Gostei tanto que desconfio que sua carreira no teatro seja outra: a de autor”. Desisti então de ser autor e passei a escrever. Talvez não tenha feito, digamos assim, uma boa troca. Deveria ter seguido as duas carreiras.

3) Você nunca mais atuou ?

Acrescento: há uns quatro, cinco anos (sou péssimo para datas) fui convidado a fazer o papel de juiz aposentado na peça “Uma Justiça Ainda Possível”, adaptação que meu amigo Luiz Baccelli havia feito de um conto de Friedrich Durrenmatt, o autor de “A Visita da Velha Senhora”. Creio que não me sai mal como ator. Infelizmente a temporada da peça, por motivos diversos, permaneceu menos de um mês em cartaz. Mas, ainda que por pouco tempo, pude sentir o imenso e indescritível prazer que é estar num palco, personificando um personagem e também, confesso, para me arrepender de ter abandonado a carreira de ator.

4) Nunca escondi de você, que sou um fã confesso, de uma obra sua, “Oscar Wilde, O amor encarcerado”. Como surgiu esse impulso para escrever sobre Wilde?


Charles Darwin dizia que a “A vida é obra do acaso cego”... Tenho para mim, que a maioria do que nos acontece é mesmo obra do acaso e foi por acaso que escrevi “Oscar Wilde, o amor encarcerado”, título que um grupo de teatro, por julgar mais “comercial”, modificou para A PAIXÃO DE OSCAR WILDE.
Mas vamos à resposta: um grupo de teatro me pediu para adaptar O Retrato de Dorian Gray, único romance que Oscar Wilde escreveu. Comecei a adaptação e, ao mesmo tempo, a estudar a vida do escritor irlandês, que achei mais interessante que o próprio romance. Ocorre que, nesse meio tempo, o grupo, por motivos que nunca fiquei sabendo, se dissolveu e então resolvi parar a adaptação e escrever um texto teatral sobre o próprio Oscar Wilde.

Essa peça conquistou o Prêmio Nelson Rodrigues de Dramaturgia que, na época, era o maior prêmio de nosso teatro.


5) O que você sente ao ver encenada uma obra sua?

É um indescritível prazer assistir a uma peça minha em palco. Um indescritível prazer deixo claro, quando a encenação é bem feita e não sofre muitas alterações. Quando isso não ocorre...

6) Dos dramaturgos da atualidade, quem você citaria com louvor?

Não cito um, mas diversos autores brasileiros e apenas os autores brasileiros que conheço, conheci pessoalmente e cujas obras li e/ou assisti: Carlos Meceni (diretor e autor, meu parceiro de diversas peças), José Antônio de Souza (além de grande amigo, foi meu mestre e me ensinou tudo que sei sobre a escrita para cinema e tevê), Idibal Pivetta (também conhecido por César Vieira, também um grande amigo), Renata Pallottini, Luiz Alberto de Abreu, Walter Quaglia, Azia Bajur (um comediógrafo e tanto), Aimar Labaki, Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira, Consuelo de Castro, Leila Assunção, Miriam Palma, Marcos Caruso, Mario Bortolotto, Ivam Cabral, João das Neves, Rodolfo Vasquez, Luiz Carlos Cardoso, Ênio Gonçalves, José Eduardo Vendramini, Guilherme Bonfim... Creio que esqueci muita gente... Não posso deixar de citar os saudosos – e sempre atuais – José Saffioti Filho, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Reinaldo Maia, Jorge Andrade, Timochenco Wehbi... Ah, devo ter esquecido diversos ou muitos nomes. Se, por acaso (e a vida é obra do acaso, dizia Darwin) passarem os olhos por estas linhas vão ficar sentidos comigo...

7) Quem são as suas inspirações?

Não sei bem quais são ou de onde vem minha inspiração para escrever sobre este ou aquele tema. É um mistério para mim mesmo. O fato é que estou sempre à procura de, sobre quem ou sobre que escrever uma peça ou um roteiro de cinema. Gosto de abordar nomes de pessoas que, de algum modo, contribuíram para melhorar o ser humano e até mesmo a humanidade. Cito, como exemplos, Charles Darwin e Oscar Wilde. Claro que também me interesso por temas brasileiros. Por exemplo, adaptei tanto para cinema como para teatro SÃO BERNARDO, a meu ver a obra-prima de Graciliano Ramos. Acabo de escrever “TERNURA“, roteiro cinematográfico baseado na vida de Carlos Dias, mais conhecido como Seu Carrito, um grande fazendeiro, que dominava (melhor seria digitar “tiranizava”) uma pequena cidade do interior de São Paulo.

8) Fale um pouco da APART - Associação Paulista de Autores Teatrais.

A APART – ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE AUTORES TEATRAIS, entidade que congregava praticamente todos os autores paulistas de teatro, foi um excelente projeto que, infelizmente, não teve duração permanente, como todos nós esperávamos. Todas as segundas-feiras, no saudoso Teatro Lua Nova, fazíamos leituras dramáticas, seguidas de discussões sobre os temas e os aspectos/positivos e negativos das peças apresentadas. Muitas delas foram encenadas, projetando seus autores. Nessas leituras, estavam presentes, além de autores, diretores, produtores, cenógrafos, críticos, o “povo do teatro” enfim. Além das leituras, a APART promoveu concursos de dramaturgia, elaborou um catálogo de textos, etc. Mais ainda: a APART se fez presente em todos os assuntos públicos que diziam respeito à classe e a cultura paulistana.

9) Esse ano assisti a bons e ótimos espetáculos de Teatro. Como você vê as produções paulistas esse ano?

Com sinceridade, este foi talvez o ano de minha vida que menos assisti a peças em cartaz. Talvez possa alegar dois motivos: tive de enfrentar sérios problemas familiares, minha saúde não esteve lá essas coisas, o que não me impediu de participar ativamente da montagem da comédia “ A Alma do Negócio “, peça que está em final de temporada no Teatro Ruth Escobar, e escrever, em parceria com o ator, diretor e dramaturgo Carlos Meceni, uma série de projetos e “ Sem Sexo é Sacanagem “, comédia sobre as atribulações de um executivo que perde seu emprego e passa por sérias dificuldades financeiras. Claro que nada disso justifica um autor deixar de ir ao teatro... Peço aqui minhas sentidas desculpas e meus companheiros autores, que estiveram ou estão com suas peças em cartaz...

10) Há muito ou pouco incentivo ás famosas " rodas de leitura “como aquelas que fazíamos, para a descoberta de novos autores e novos textos?

Cito dois locais que atualmente realizam leituras dramáticas todas as segundas-feiras, às 20 horas: o projeto Letras em Cenas, no auditório do MASP, e outro ciclo de leituras capitaneado pela atriz e produtora Lucienne Cunha, na Rua Canuto do Val, 89, Bairro Santa Cecília.

11) Você foi convidado por duas editoras para lançar dois textos em livro. Acho isso mais que justo para um autor do seu nível. Quais foram os textos, como foi esse lançamento?

A GIOSTRI EDITORA acaba de lançar dois textos meus: “A PAIXÃO DE OSCAR WILDE “ e “ DARWIN E O CANTO DOS CANÁRIOS CEGOS “. A noite de autógrafos foi excelente, tanto pelo lançamento dos textos como pela presença de familiares, amigos e ex-alunos. Ressalto a grande importância da GIOSTRIv EDITORA para a dramaturgia nacional. Pelo que sei, é a única, em todo Brasil, que edita textos teatrais brasileiros.

12) Você conta muitas vezes com parceiros para escrever seus textos. Como é escrever a quatro mãos.

No momento, o ator, diretor, autor e produtor Carlos Meceni e eu formamos uma parceria e já escrevemos, além de projetos para tevê e cinema, três peças: “ A ALMA DO NEGÓCIO “ que, como mencionei, está em final de temporada no Teatro Ruth Escobar; “ SEM SEXO É SACANAGEM “ e “ A CARTA DA TERRA “, texto infantil-ecológico.

13) Você acredita em textos criados em “criação coletiva”?

Acredito sim, embora nunca tenha participado de nenhuma “criação coletiva”. Pelo pouco que sei do assunto, o resultado de um trabalho assim é sempre imprevisível. Um grupo que utilizou “criação coletiva” para escrever seus textos foi o desaparecido e bem sucedido “Asdrubal Trouxe o Trombone”, do Rio de Janeiro, e o “ Teatro Ornitorrinco “, hoje também inexistente. Aqui de São Paulo, pelo que fui informado, o Teatro de Vertigem utiliza, com muito sucesso e repercussão na mídia, essa técnica.

14) Há um grande número de comédias em cartaz, e também a "febre" do stand-Up.

Nada tenho contra as comédias, pelo contrário, mas (e este é um pensamento muito pessoal) toda a comédia deve (ou deveria) ir além de simples divertimento, ou melhor, deve divertir e, ao mesmo tempo, expressar conteúdo crítico. Assisti diversas comédias este ano (não vou citar os títulos). Em quase todas elas havia o que se pode chamar de “o riso pelo riso”, sem qualquer conteúdo ou juízo crítico. .
Com relação às comédias “stand up”, já que, para ser sincero, não assisti a nenhuma.

15) Você acha o brasileiro avesso a dramas e tragédias?

Não acho. Tive a feliz oportunidade de assisti a grandes dramas e tragédias que fizeram muito sucesso de público e crítica. Algumas delas chegaram a permanecer anos em cartaz, graças ao prestígio que conquistaram junto ao público. De memória cito:” A Visita da Velha Senhora “, “ A Morte do Caixeiro Viajante”, “ A Gota d’Água”,” Édipo Rei” , “ Doze Homens e uma Sentença” (em cartaz há quase dois anos),” A Invasão”, “ Lua de Cetim”, “ Vestido de Noiva”, “O Boca de Ouro”,” Eles não usam Black-tie”, “A Moratória”, “Bela Ciao”, “Cordélia Brasil”, “A Vinda do Messias” e tantas outras.


16) Escrever para você é...

... um ato de total entrega ao trabalho. Um dramaturgo não escreve para si mesmo, mas para (vou repetir) para a sua cidade, para o seu país, para o mundo... Para ele, nada mais existe senão o que corre de sua mente para o papel, ou melhor, para a tela do monitor.

17) Um bom texto pede...

... concentração total, muita pesquisa a ponto de o autor ter completo domínio do tema a ser abordado, concentração total, muito trabalho, diversas revisões e, principalmente, espírito crítico para analisar / criticar sua própria obra quando “terminada” (notar as aspas). Há dramaturgos jovens bons, mas, com sinceridade, são poucos. Isso porque, escrever uma peça de teatro exige, além de domínio do palco, experiência de vida é fundamental. É recomendável, mas não absolutamente essencial, que o dramaturgo seja ou tenha sido ator ou que, pelo menos, conheça o trabalho de um diretor. Tennessee Williams, o grande dramaturgo americano (“Um bonde chamado desejo”, “A Noite de Iguana”, “A rosa Tatuada”, etc.) conta em sua autobiografia que, antes de se dedicar à dramaturgia, começou por assistir a inúmeros ensaios de peças, prestando particular atenção na movimentação dos atores em palco e no trabalho dos diretores.

Quase me esqueço de completar. A meu ver o autor tem de ter domínio da sua língua, ou seja, da gramática de sua língua. Parece estranho eu me referir ao domínio gramatical, o que, aliás, friso em minhas aulas. Há uma relação vital entre forma e conteúdo, o seja, entre o que se escreve e como se escreve. Cada palavra, cada vírgula, cada ponto final, as reticências, a frase em seu todo enfim, são elementos importantíssimos para o melhor resultado do trabalho da elaboração de um texto teatral.

18) Para ser um bom dramaturgo precisa ser...

... precisa ser, ou melhor, ter talento para a escrita amar o ato de escrever, ter em mente o espaço teatral, criar/viver cada personagem, cada situação, cada cena, cada frase, cada palavra... Nunca estar satisfeito com o resultado de sua obra, revê-la ou reescrevê-la continuamente... E também estar consciente de que não escreve apenas para si mesmo, mas para um público, para um país e até mesmo, sem exagero, para o mundo... Para tanto, tem que o dramaturgo tem estar a par de tudo o que ocorre em sua cidade, no Brasil e no mundo... Mais ainda: através de sua obra o deverá, em termos cênicos e não em termos didáticos, manifestar sua solidariedade o ser humano. Nesse sentido, vale citar de novo a célebre frase do grande poeta John Donne: “Nenhum homem é uma ilha. Cada homem é parte de um continente, uma partícula da Terra. A morte de um homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”.

19) Uma mensagem para nossos leitores.

Sempre que puderem, vão ao teatro. A mais antiga e mais pura arte de representar está no teatro diante dos olhos do espectador. Não há nenhum artifício, ou melhor, nenhuma tecnologia, separando o ator de seu público... Mas sejam exigentes: para escolher o espetáculo a que irão assistir, examinem com atenção as sinopses das peças em cartaz, expressas nas seções especializadas em teatro nos jornais e revistas.




Silvio Tadeu
Colunista de Arte e Cultura


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